
Com a força do próprio talento, a cantora lírica Lorena Pires, de origens quilombolas, alcançou uma grande conquista: será a primeira brasileira a integrar a Academia de Ópera de Paris. A oportunidade surgiu após ela se destacar em diversos eventos nacionais e internacionais e participar de intercâmbio com a Ópera de Paris, em abril. Ela busca, agora, os recursos financeiros necessários para realizar o sonho e representar tantos brasileiros. Uma campanha no site Vakinha busca deixá-la mais próxima da oportunidade.
Com o sonho de ser cantora presente desde criança, Lorena manteve a determinação nos estudos e contou com a ajuda da família para trilhar um caminho árduo, mas prazeroso. Desde então, venceu o 2° Concurso de Canto Joaquina Lapinha e foi premiada com o 2° lugar no 2° Concurso de Canto Natércia Lopes e cantou em palcos como Palácio das Artes (BH), Theatro Municipal do Rio de Janeiro (ópera ‘Gianni Schicchi’) e Theatro Municipal de São Paulo (ópera ‘Nabucco’), além de se apresentar no Uruguai. O Conversa do Bem a entrevistou com exclusividade:
Conversa do Bem: Desde quando o canto está presente na sua vida? O que esse trabalho traz de mais especial para você?
Lorena Pires: Eu sempre gostei de cantar e dançar desde criança. Quando era pequena, eu e minha melhor amiga fingíamos ser as integrantes do Rouge e performávamos no quarto enquanto ouvíamos as músicas. A gente gostava muito do Calypso também e fazíamos as coreografias, assim como com os filmes musicais da Disney dos anos 2000 (High School Musical, Hannah Montana, Camp Rock…). Minha infância foi bem Pop (risos) e acho que isso estimulou muito minha criatividade e minha habilidade de me comunicar através da arte.
Em 2020, eu ingressei no Bacharelado em Canto na Faculdade de Música do Espírito Santo com o professor Licio Bruno. Desde então, tenho me dedicado integralmente ao meu ofício enquanto cantora lírica e acho que uma das coisas que mais gosto é a possibilidade que a gente tem de viver tantas vidas numa só ao interpretarmos diversos personagens ao longo da nossa carreira. Ao mesmo tempo, isso também é um desafio, porque nem sempre você interpreta um personagem que condiz com sua personalidade ou que tomaria as mesmas decisões que você diante de determinada situação. Mas é divertidíssimo! Ser artista é realmente um privilégio.
CB: Qual a importância, para a sua carreira, de alcançar a Academia da Ópera de Paris?
LP: Imensurável. Na Academia, terei a oportunidade de estar nos palcos com uma frequência considerável e isso te dá possibilidades reais de aperfeiçoar suas habilidades de performance, já que cantar pra uma plateia é muito diferente de quando se está estudando sozinho na sua sala de estudos. Também, vou estar em contato com experientes maestros e professores da instituição, o que além de ser uma grande oportunidade de aprendizado e aperfeiçoamento técnico e artístico, é uma possibilidade real de expandir meu networking para cavar ainda mais oportunidades na minha carreira.
Antes de ser selecionada para integrar a Academia, eu fui selecionada para um intercâmbio com eles pelo Ano Brasil-França e pude me apresentar no recital de Canções francesas e brasileiras em 9 de abril, ocorrido na Opéra Bastille. Com essa ida, eu tive um certo spoiler do que está pra vir com a minha ida definitiva em agosto: é um ambiente de muita imersão no fazer operístico e de troca com outros colegas que estão buscando o mesmo que você. Sem contar na responsabilidade que é carregar o nome da Ópera de Paris.
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CB: E qual o significado do marco histórico de ser a primeira brasileira, com raízes quilombolas, a ter essa conquista?
LP: Apesar de ter recebido a notícia em fevereiro, eu confesso que minha ficha está caindo só agora. Semana passada, falei pra minha mãe: “mainha, a senhora já parou pra pensar que quando alguém pesquisar no Google quem foi a primeira cantora brasileira na Academia da Ópera de Paris, vai aparecer a sua filha?”. Acho que essa conquista fala muito sobre oportunidades e reconhecer quem abriu os caminhos pra gente. Eu não teria chegado onde cheguei se minha família não tivesse suado (literalmente) durante anos na roça por melhores condições de vida em Vitória para que quem viesse depois, não precisasse passar por tantas dificuldades como eles e tivesse oportunidade de ter um ensino de qualidade.
Ao longo da minha caminhada, também, tive pessoas como meu professor de canto, maestros e outros colegas da classe artística que acreditaram em mim e no meu potencial, e me estenderam a mão para que eu tivesse oportunidades de progredir na minha carreira.
CB: Como funciona exatamente o programa que você vai participar? Quais os principais aprendizados?
LP: A Academia da Ópera de Paris é um programa voltado pra aperfeiçoamento de jovens cantores líricos. Tem a duração de 1 a 2 anos e durante esse tempo, nós somos contratados da casa e todos os dias, temos aulas para trabalharmos nosso repertório (seja o de estudo pessoal, seja pra audições ou para alguma produção da Ópera em que estamos escalados). Todos os meses, tem concerto da Academia e, ainda, há a oportunidade de performar papeis pequenos em algumas produções da Ópera no Palais Garnier e na Opéra Bastille, os dois grandes palcos da Ópera de Paris, então é uma oportunidade de exposição muito boa e de prática de palco.
Além disso, todos os integrantes da Academia da Ópera de Paris têm acesso gratuito a toda infraestrutura da casa, o que não só inclui as salas de estudo e as aulas, mas a assistência aos concertos, ensaios e óperas com grandes nomes da lírica internacional, o que por si só, já são uma aula e, dificilmente, teríamos um acesso tão facilitado no Brasil.